segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Uma Odisséia Urbana

Você estava quieto, na sua, mas aí entrou numa fria. Apostou todas as suas fichas na mesa errada, seu cavalo chegou em último.

Tudo o que você desejava era um drink tropical, acompanhado de uma prostituta morena e disciplinada, com aquele bom e velho sotaque caribeño. A ganância, entretanto, ludibriou-te e foragiu-te. Hoje, não tens mais aquela imponente e bela mansão a beira-mar. Tens este esquizofrênico companheiro de cela.

Aquela cantora negra pegou um isqueiro e acendeu o fogo na tua unha, a dor foi insuportável. Quando o fogo cessou, porém, a dor permaneceu. Não consegues esquecer a humilhação pela qual passou. O sofrimento virou teu nome do meio.

Querias comprar uma capa preta, para esconder tua vergonha e cobrir o rosto, mas a última da loja havia sido vendida para um indigente.

Agora você está na praça da Sé, lembrando momentos de teu pretérito asqueroso. O céu está nublado, mas não vai chover. Não enquanto você estiver aí: A chuva se recusa a cair e lavar teus erros.

Então, Marcos lembrou-se de Moçambique, gostaria de voltar para rever a família, mas não tinha dinheiro para a passagem. Lágrimas vagas escorriam de seu olhar perdido.

A infelicidade tomava conta do caráter de Marcos que era constantemente rejeitado pela alegre e impetuosa sociedade. Velhos orelhões indicavam o vandalismo presente em certas regiões de cidade grande.

Um templo tailandês era outro aviso de que teu prestígio havia feito as malas e fugido com o vizinho. Você estava só, patético e chifrado.

Ora pois, sua situação era muito ruim, mas ficou pior quando o carcereiro descobriu que a mulher o traía. A partir desta célebre ocasião, passaste a apanhar diariamente.

Apesar de ler alguns livros, você não sabia nada. Tudo ainda ficou muito pior depois de descobrirem aquela suástica tatuada nas suas costas. “Jogos são apenas jogos” era o que repetia teu pai, em vão. Outros peões de obra assobiavam e ofendiam gostosas mulheres que desfilavam em frente àquela construção.

2º ato
Tudo o que você fez foi perder. Perdeste o barco, a casa, a mãe e a dignidade. Não obstante, continuou a humilhar o sobrenome.

Consuelo, a gorda mexicana que cuidava da casa e cozinhava como uma deusa, sentiu-se desapontada.

Guadalupe, a morena prostituta que satisfazia suas fantasias suínas, tentou fugir com o conversível e o segurança.

Jorge, o segurança mulato, teve de procurar novo emprego e ganhou a vida como ator pornô.

Sua Velha Mãe, aquela senhora respeitável, foi morar com seu irmão, aquele ator bonvivan de sucesso e dentes brancos.

A barba de bêbado te conferia um ar profundamente derrotado e patético. Sem mais chances ou alternativas, havia lhe restado apenas uma saída.

Aquele revolver imundo já estava enferrujado. Pelos teus cálculos apelativos e desesperados resolveria tudo em questão de segundos.

Com o cano gelado tocando a língua e os lábios, apertou fundo os olhos e o gatilho. Algo deu errado, não havia mais bala. Lembrou-te que a havias perdido noutra aposta, não havia mais bala...

Desta vez poderia ter dado certo, mas fracassou.
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2 comentários:

  1. Fe, é incrível como você consegue arranjar tempo pra postar em meio a tanta correria da faculdade.
    Como sempre, tá muito bom seu texto. Senti que sei lá, você talvez quisesse transmitir algum tipo de mensagem, não sei...

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  2. Um texto bom... com um discrição tão humana que cheguei a imaginar a cara de decepção de alguém que nem tem a 'sorte' de dar fim a própria vida.
    Alias, tem um certo tom e humor de machado de assis!

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